A NEGOCIAÇÃO COLETIVA E A ECONOMIA DE PLATAFORMAS: NOVAS PERSPETIVAS RESUMO
I.
CONTEXTO GERAL
Uma
variedade de situações
A
economia de plataformas é um tema latente cuja regulação é extremamente diversa
nos vários Estados membros da União Europeia (UE), o que é especialmente certo
relativamente à negociação coletiva deste âmbito. A variedade de tradições
jurídicas relativas à negociação coletiva nos Estados membros reflete-se nas
suas diferentes abordagens em relação à (não) regulação da negociação coletiva
para aquelas pessoas que trabalham na economia de plataformas.
A
negociação coletiva não pode ser a única fonte de regulação na economia de
plataformas, devendo ser complementar, em menor ou maior medida, ao Direito estatuído.
É evidente que é imprescindível uma comunicação constante entre os diversos
níveis de regulação, não só à escala nacional, mas também europeia e nacional.
O papel das autoridades - não necessariamente através da legislação - é
bastante importante em muitos países e já se estão a explorar novas vias em
lugares como, por exemplo, Bolonha (Itália), com o desenvolvimento de uma Carta
local.
Quando
se avalia o panorama da UE em matéria de negociação coletiva na economia de
plataformas, devemos considerar os seguintes fatores:
Em
primeiro lugar, a economia de plataformas não se desenvolveu da mesma forma nos
diversos Estados membros. Embora seja difícil identificar a proporção real das
pessoas que trabalham com esta fórmula, as estatísticas mostram que há um
número considerável de trabalhadores de plataformas nalguns Estados membros,
como na Itália ou na Espanha. Por outro lado, este fenómeno quase não existe
noutros países, por exemplo, na Roménia ou na Hungria.
Em segundo lugar, as
atividades que se realizam sob o nome de «economia de plataformas» ou gig
economy variam entre si e há imensas classificações diferentes. A
classificação mais clara inclui, num grupo, as denominadas «atividades offline» que se podem reconduzir à ideia
de «trabalho on-demand», e no outro
grupo, as denominadas «atividades online»
que se podem denominar como crowdwork. Esta diferença entre as
atividades offline e online tem uma repercussão direta nos
canais de representação destes trabalhadorese na sua cobertura através da negociação
coletiva, tal como se descreve neste relatório. Além disso, a atividade online implica fatores de competência transnacional
que não se devem ignorar para considerar a futura legislação. Acresce que a pandemia de covid-19dissimulou,
em muitos casos, a distinção entre teletrabalho e crowdwork.
Os riders/estafetas,
os motoristas e os empregados domésticos são alguns dos exemplos mais
característicos das atividades offline.
Costumam estar no centro dos estudos sobre a economia de plataformas, mas
também quando se considera a dimensão coletiva do direito laboral na economia
de plataformas. As novas formas mais importantes de expressão coletiva
encontram-se nestes campos. As primeiras experiências bem-sucedidas de
negociação coletiva ocorreram nestas áreas de atividade. Porquê? Devido à sua
natureza física, ao serem serviços que existem há já algum tempo e que agora se
oferecem no mercado com um novo modelo de negócio, baseado em plataformas e apps.
A proximidade humana leva à criação de uma comunidade e esse foi o caminho que
levou a uma expressão comum de interesses, interligando as pessoas
trabalhadoras on-demand com os agentes tradicionais: os sindicatos.
Por
outro lado, a miríada de atividades que se podem classificar como crowdwork
são mais resistentes ao desenvolvimento da dimensão coletiva do direito
laboral. A representação coletiva de crowdworkers passa pelos mesmos
problemas que já se tinham detetado anteriormente em relação ao teletrabalho e
às relações laborais coletivas. O isolamento leva a uma falta de vozes
coletivas, embora algumas práticas, como a comunidade «Turker», se possam
considerar como marcos no âmbito da representação. De todos os modos, o âmbito
do crowdwork e das atividades online
é ainda um território inexplorado para a negociação coletiva.
Um
terceiro elemento de variedade radica na regulação do estatuto laboral dos
trabalhadores da economia de plataformas dado que, nos últimos anos, não só os
académicos debateram sobre a sua condição de trabalhadores assalariados ou independentes,
como também assistimos ao surgimento de casos apresentados aos tribunais à
escala nacional e europeia. Nalguns destes casos, foi preciso recorrer a
tribunais superiores para que decidissem, como ocorreu na França, Itália,
Espanha ou no Reino Unido. Embora o modelo empresarial dos interlocutores
comerciais para o qual trabalham variasse bastante, a resposta dos tribunais
foi, regra geral, classificar estes trabalhadores como assalariados sujeitos a
um contrato de trabalho. Contudo, noutros casos, rejeitou-se o estatuto de
trabalhador. Este foi o caso do Acórdão do TJUE sobre o caso Yodel, onde
um «tribunal de l'entreprise» belga rejeitou o estatuto de trabalhador aos motoristas
da Uber.
No momento,
a situação mais avançada em relação a esta classificação dos trabalhadores de
plataformas é o da Lei rider[2]
espanhola, segundo a qual existe uma presunção legal em relação à aplicação do
direito laboral às atividades de entrega e distribuição organizadas através de
uma plataforma digital. Isto tem consequências automáticas no que diz respeito
à negociação coletiva, pois estes trabalhadores estão incluídos
obrigatoriamente nos respetivos acordos coletivos. Esta Lei rider é um
primeiro pequeno passo para a inclusão dos trabalhadores de plataformas no
quadro geral da regulação laboral sob a égide do direito estatuído.
Em
direção a um modelo misto de negociação coletiva? O alcance pessoal da
negociação coletiva na economia de plataformas.
A situação
espanhola é uma exceção. Na maioria dos países não há uma legislação explícita
sobre o estatuto legal dos trabalhadores da economia de plataformas, o que tem
repercussões diretas nas suas possibilidades de negociação coletiva.
Tradicionalmente,
os acordos coletivos realizam-se para regular a relação laboral. Deste modo, da
parte dos trabalhadores, o âmbito de aplicação pessoal limitava-se aos
trabalhadores assalariados, enquanto os trabalhadores independentes costumavam
estar excluídos da negociação coletiva, exceto nalgumas fórmulas específicas em
alguns países, como na Alemanha. Porém, em linha com a sua jurisprudência
anterior, o TJUE afirma na sentença FNV Kunsten que os únicos acordos
coletivos que não infringem o direito da competência da UE são os negociados
entre «interlocutores sociais». No entanto, o Tribunal também argumentou no
caso FNV Kunsten que os acordos coletivos para «fornecedores de serviços
numa situação comparável à dos trabalhadores» não entram no âmbito de aplicação
do artigo 101 do TFUE (ponto 42). Além disso, um fornecedor de serviços pode
perder a sua condição de empresa «quando não determina de forma independente o
seu comportamento no mercado, pois depende completamente do seu comitente ao
não suportar nenhum dos riscos financeiros e comerciais resultantes da
atividade dele e opera como auxiliar integrado na empresa do mesmo» (ponto 33).
Isto parece permitir uma interpretação em prol da realização de acordos
coletivos para «fornecedores de serviços comparáveis aos dos trabalhadores» sem
infringir a legislação antimonopólio da UE. No entanto, continuam a existir
incertezas como, por exemplo, sobre que fornecedores de serviços são realmente
comparáveis. Sendo assim, o Direito da Competência considera-se um dos
obstáculos mais importantes no caminho para um novo modelo de negociação coletiva
com um âmbito de aplicação pessoal ampliado.
Em
função destas incertezas, a Comissão Europeia iniciou recentemente um processo
de consulta sobre a questão dos acordos coletivos para trabalhadores independentes.
A questão central é se o âmbito de aplicação das normas de competência da UE se
deveria limitar na medida em que os acordos coletivos realizados para (um grupo
ainda por definir de) trabalhadores independentes devem estar isentos das
normas de competência da UE. Espera-se uma Comunicação em finais de 2021 que poderá
trazer, ou não, uma mudança de paradigma.
Para
concluir, podem-se identificar duas questões problemáticas principais
relativamente ao âmbito de aplicação pessoal da negociação coletiva para os
trabalhadores de plataformas. Em primeiro lugar, a situação nos Estados membros
varia bastante de um para outro Estado. Enquanto em muitos Estados membros os
acordos coletivos sópodem realizar-se para trabalhadores assalariados, noutros
existe a possibilidade de os realizar também para pessoas que se podem
classificar como trabalhadores equiparados. Noutros, é possível declarar que os
acordos coletivos são aplicáveis aos trabalhadores independentes. Outros
Estados membros estabeleceram modelos de acordos coletivos que não têm o mesmo
efeito que os acordos coletivos tradicionais. Contudo, a problemática
primordial é que não há uma definição uniforme sobre quem são as pessoas - em
termos muito gerais - abrangidas pelo âmbito de aplicação dos acordos
coletivos. Isto está diretamente relacionado com a segunda problemática, a
interação entre as normas nacionais de negociação coletiva e a legislação da UE
em matéria de competência. De um ponto de vista teleológico, a jurisprudência
do TJUE pode interpretar-se a favor de que os acordos coletivos realizados para
fornecedores de serviços similares a trabalhadores assalariados não estejam
regulados pela legislação em matéria de competência da UE. Porém, não existe
nenhuma definição destes fornecedores de serviços similares a trabalhadores
assalariados, o que dificulta que os interlocutores sociais nacionais, bem como
os legisladores nacionais, ajam em conformidade com a legislação da UE para
ampliar o âmbito de aplicação pessoal da negociação coletiva.
II.
FONTES SUPRANACIONAIS
O possível
papel do Direito da UE
Seja
qual for o alcance da possível legislação, é claro que os Estados membros e os
interlocutores sociais nacionais serão os principais agentes neste âmbito. No
entanto, desde o início da investigação do COGENS, a possibilidade de uma
intervenção da UE no âmbito da economia de plataformas é cada vez mais factível
e, já em fevereiro de 2021, a Comissão Europeia iniciou um processo de consulta
sobre uma possível ação para abordar os desafios relacionados com as condições
laborais no trabalho em plataformas.
Uma
hipotética diretiva que regulasse o trabalho em plataformas a nível da UE
poderia estabelecer que os trabalhadores da economia de plataformas usufruíssem
de direitos de negociação coletiva, tal como assinala a consulta, quer num
eventual artigo, quer num capítulo. Não há dúvida de que a União Europeia
poderia legislar sobre o direito laboral coletivo, tal como se menciona no
artigo 153.º, n.º1, alínea.f) do TFUE. A competência estabelecida no artigo
153.º, n.º1, alínea b) do TFUE oferece a base jurídica necessária para levar a
cabo este trabalho se se regulam somente as condições de trabalho, mas a menção
no artigo 153..º, n.º 1, alínea f) do TFUE à «representação e defesa coletiva
dos interesses dos trabalhadores e dos empresários» oferece um fundamento
sólido para o desenvolvimento de aspetos de direito laboral coletivo.
Naturalmente, esta situação exigirá a unanimidade do Conselho para aprovar uma
Diretiva.
Esta
possível evolução deve, não obstante, respeitar extremamente as competências e
tradições nacionais. A Diretiva 2002/14/CE é um claro exemplo do mesmo, pois
estabelece uma base comum que se pode aplicar facilmente em todos os Estados
membros. A identificação de representantes concretos dos trabalhadores deve-se
deixar nas mãos das leis e práticas nacionais. Mas o impulso de normas
específicas para os trabalhadores da economia de plataformas, como a
«digitalização» das unidades eleitorais ou a criação de formas de atribuir a
representação mais facilmente a este tipo de trabalhadores são conteúdos
adequados para uma regulação supranacional.
Em
qualquer caso, a União Europeia poderia recorrer a outras possibilidades mais
audazes. O artigo 115.º do TFUE continua a permitir, tal como o tem vindo a
fazer desde 1957 quando era o art. 100.º do Tratado CEE, «a aproximação das
disposições legais, regulamentares e administrativas dos Estados membros que
incidam diretamente no estabelecimento ou funcionamento do mercado interior.»
Partindo desta base legal, a União Europeia poderia aprovar uma diretiva que
criasse um nível mínimo de direitos para as pessoas que trabalham na economia
de plataforma, independentemente da sua categorização legal nacional. Deste
modo respeitar-se-iam as competências nacionais, garantir-se-iam os direitos e
dar-se-ia uma resposta supranacional a uma situação supranacional.
A perspetiva
dos direitos humanos: o direito à negociação coletiva como direito humano.
O
direito à negociação coletiva está garantido como direito humano e como direito
laboral fundamental por muitas fontes internacionais e europeias, entre elas o
PIDESC, várias convenções da OIT, em particular as números 87 e 98, o artigo 11.º
do TEDH ou o artigo 6..º, n.º 2 da CSER. Em relação aos direitos de
negociação coletiva para os trabalhadores de plataformas, o artigo 6..º, n.º 2,
da CSER é especialmente importante. Não só significou que todos os Estados
membros da UE aceitassem e se comprometessem através do artigo 6..º, n.º 2 da
CSE e, portanto, a respeitá-lo, como também foi o Comité Europeu de Direitos
Sociais no seu recente caso do Irish Congress of Trade Unions (ICTU) v.
Ireland[3]
que manteve que o critério decisivo relativamente à garantia dos direitos
de negociação coletiva «depende de se existe um desequilíbrio de poder entre os
fornecedores e os contratantes de mão-de-obra» (...).
Depreende-se
desta decisão que não só os trabalhadores (de plataformas) que são assalariados
têm o direito à negociação coletiva, mas sim todos os fornecedores de
mão-de-obra - incluindo os que trabalham na economia de plataforma - que não
têm muita influência no conteúdo das condições contratuais. O Comité sublinha
que estas pessoas «devem ter a possibilidade de melhorar o desequilíbrio de
poder através da negociação coletiva». Como esclarecimento, poder acrescentar-se
que isto é certo independentemente do estatuto (formal) do fornecedor de
mão-de-obra. Por outras palavras, inclusivamente nos casos em que um
trabalhador de plataforma é (formalmente) independente, segundo uma abordagem
teleológica e baseada nos direitos humanos, também tem direitos de negociação
coletiva quando existe um desequilíbrio de poder entre ele e o contratante do
trabalho.
III.
AGENTES
Sindicatos
(antigos) e novos agentes
Na
maioria dos países, o quadro jurídico existente segue a lógica dos antigos
modelos de organização do trabalho. Sendo assim, a aplicação dos direitos
coletivos para as pessoas que trabalham na economia de plataformas resulta
bastante difícil. Uma estrutura de negociação baseada na abordagem de um único
centro de trabalho e num empregador único, em conjunto com a norma da maioria
que existe em muitos Estados membros, dificulta estruturalmente a procura da
solidariedade entre os trabalhadores de plataforma e entre os mesmos e os
assalariados que trabalham na mesma unidade de negociação. Isto é especialmente
certo nos Estados membros em que a negociação a nível de empresa prevalece
sobre a negociação sectorial. Sem intervenção legislativa, em muitos países, este
modelo descentralizado não incentiva os sindicatos a apoiar os trabalhadores de
plataformas. Debater os direitos dos trabalhadores de plataformas pode ser uma
oportunidade para repensar os modelos de negociação existentes e, nalguns
países, para incentivar a negociação coletiva a nível de setor.
Nessa
situação, após uma década de lenta adaptação, os velhos agentes parecem ser os que
se encontram em melhor posição para integrar as prerrogativas tradicionais e as
novas tecnologias. Contudo, uma análise da realidade mostra que os
trabalhadores de plataformas têm às vezes relutância em se filiarem nos sindicatos
tradicionais. Além disso, os próprios sindicatos, pelo menos ao princípio, não
estavam preparados para enfrentar o assunto. Para estabelecer um modelo sólido
dever debater-se a ideia de «sindicatos inteligentes», que finalmente poderia
inclusivamente permitir que as «apps competissem entre si». Incentivando
o debate, sensibilizando, criando estados de opinião, utilizando o próprio modelo
de negócio da economia de plataformas, poder chegar-se mais facilmente aos
trabalhadores de plataformas. Num modelo de negócio baseado na reputação
digital, tanto para os trabalhadores como para as empresas, não se pode obviar
esta parte da atividade dos sindicatos.
Os
novos agentes também trazem consigo novas formas de intervenção coletiva mas,
no entanto, estes novos grupos nunca conseguiram chegar a um acordo coletivo.
Forneceram novas formas de expressão de conflitos laborais, como flash mobs,
manifestações em bicicleta ou bloqueios. Efetivamente, criaram alguns efeitos
que reclamam a atenção mas que não são considerados agentes negociadores
eficazes.
Acordos
a nível de setor ou de empresa
O mais
provável quanto ao futuro da negociação na economia de plataformas é que se
mantenham os sistemas atuais. Porém, a sua eficácia dependerá bastante da
classificação legal dos trabalhadores das plataformas. O que fica sem resolver
é o dilema do nível de negociação: devem-se realizar acordos a nível de empresa
ou de setor? A resposta a esta pergunta depende em grande medida da força dos
respetivos agentes negociadores.
O
panorama dos acordos coletivos atuais mostra que os primeiros acordos de setor
relativos à economia de plataformas, por exemplo, o da hotelaria em Espanha[4],
foram realizados por sindicatos (e organizações empresariais) que não tiveram
em conta as especialidades dessa atividade. Apenas ampliaram o seu âmbito de
aplicação pessoal e absorveram a economia de plataforma no sistema.
O
acordo entre o sindicato dinamarquês 3F e a Dansk Erhverv[5],
a Câmara de Comércio dinamarquesa, seguia também o velho modelo relativo aos
agentes, mas dava mais um passo, pois negociou-se especificamente para os
trabalhadores da economia de plataformas. No princípio, o acordo só abrangia os
trabalhadores da Just Eats, isto é,
tratava-se basicamente de um acordo a nível de empresa relativo ao seu âmbito
pessoal. Contudo, abrangeu depois mais empresas de distribuição. Portanto, pode
considerar-se o primeiro acordo sectorial real relativo à economia de
plataformas no seu próprio enquadramento. Na Áustria, também se realizou um
acordo coletivo no setor dos riders/estafetas, assinado entre os agentes tradicionais, as câmaras
de comércio representando a entidade
empregadora, e a federação sindical austríaca pela outra. Porém, o seu âmbito
de aplicação pessoal limita-se só aos trabalhadores.
O
terceiro exemplo é o mais significativo: o acordo italiano a escala nacional
para a entrega de mercadorias levada a cabo por riders[6].
Os agentes negociadores são uma nova organização patronal específica, a AssoDelivery, composta por plataformas,
e um sindicato tradicional, UGL, através do seu departamento específico, UGL Rider. O âmbito de aplicação pessoal
também é digno de menção, pois só inclui os riders independentes. Este
acordo demonstra a capacidade de adaptação e transformação dos agentes quando
há vontade de negociar. No entanto, este acordo coletivo foi declarado nulo por
um Tribunal considerando a falta de representação do sindicato.
Por outro lado, existem alguns acordos a nível de empresa, como o do sindicato dinamarquês 3F e a Hilfr de 2018[7] ou o do Reino Unido, entre o sindicato GMB e a Hermes de 2019[8]. O modelo em relação à representação dos trabalhadores é o mesmo. Os agentes tradicionais têm sucesso no seu papel tradicional quando podem pressionar os outros agentes negociadores.
Seja
qual for o nível de negociação, podem extrair-se conclusões claras e diretas.
Nos poucos acordos coletivos que se realizaram no âmbito da economia de
plataformas, os sindicatos tradicionais foram os principais agentes, seguindo
as normas tradicionais.
Por
último, o papel das associações de empregadores é o mais opaco de todos. E não
responde a um conflito de classes, mas sim de interesses, devido a que as
empresas tradicionais não compartilham a sua posição e perspetiva com as novas
plataformas. Segundo muitas das partes interessadas, a posição das plataformas
não é recetiva à negociação coletiva, mas o caso italiano demonstra que há
exceções.
Novas
formas de regulação flexível
Em
vários países, como a Itália, a França ou a Alemanha, observa-se um curioso
fenómeno: o aparecimento de documentos ou instituições no âmbito da economia de
plataforma que pretendem influenciar a mesma. Não são instrumentos de
negociação coletiva, mas, dada a sua originalidade, alguns deles merecem ser
estudados para procurar uma terceira via que alguns defendem.
O primeiro destes
documentos foi a Carta de Bolonha, a «Carta dei diritti fondamentali dei
lavoratori digitali nel contesto urbano», de 2018, que não tinha valor
jurídico efetivo. Consta de doze artigos que pretendem promover um emprego
seguro e digno, mas que ao mesmo tempo seja compatível com a adaptabilidade do
mercado laboral digital, garantindo melhorar as condições de vida e de trabalho
dos fornecedores de serviços. A representação dos trabalhadores e os conflitos
laborais estão presentes na Carta, mas não se menciona a negociação coletiva.
De todos os modos, ao ter reconhecido as duas ferramentas essenciais para a
negociação, identificado os sujeitos ativos e aceite as medidas de pressão, a
Carta de Bolonha está a criar o ambiente adequado para que se desenvolva um
processo de negociação coletiva como corolário desse reconhecimento.
A Alemanha proporcionou
vários exemplos relacionadas, com o interesse acrescido que significa a
incursão no campo de crowdworking. Em primeiro lugar, está o Código de
Conduta Paid Crowdsourcing for the Better, assinado por várias empresas
que proclamam o seu compromisso unilateral de respeitar e garantir um conjunto de
direitos. Não contém nenhuma menção à negociação coletiva, mas o seu conteúdo
aproxima-se de maneira muito importante de quem poderia ser alvo da mesma numa
fase mais avançada. O resultado mais importante é a criação de um mecanismo
voluntário de resolução de conflitos próprio, gerido pelo sindicato IG-Metall.
Só aborda conflitos individuais mas, em certa medida, recorda alguns resultados
importantes da negociação coletiva.
Também é importante o
documento Frankfurt Paper on Platform-Based Work, assinado por sete
organizações sindicais da Áustria, Alemanha, Dinamarca, Suécia e Estados
Unidos, com uma equipa técnica de assessores muito extensa. Entre os pontos
essenciais que enumera encontra-se, em primeiro lugar, o respeito aos acordos
coletivos correspondentes, mas, de forma muito mais destacada, é necessário
insistir no direito dos trabalhadores a se organizarem. Uma consequência
especialmente relevante desse direito é a capacidade de negociar e a afirmação
de que os operadores de plataformas são interlocutores adequados para iniciar
negociações.
IV.
CONTEÚDO
Existe
um notável consenso entre os académicos e as partes interessadas sobre o facto
de que a questão do conteúdo da negociação coletiva se deve deixar nas mãos dos
interlocutores sociais. Não se considera necessária nenhuma regulação legal
neste âmbito.
A
análise dos conteúdos reais da negociação coletiva na economia de plataformas
proporciona-nos uma resposta muito diversa. A classificação principal consiste
em conteúdos abstratos, gerais e específicos.
O
primeiro grupo faz referência aos casos em que os trabalhadores da economia de
plataformas se incorporaram em acordos do setor já existentes, como ocorreu em
Espanha com a hotelaria. Estes acordos coletivos não contêm nenhuma norma
material específica relativa aos trabalhadores de plataformas pois simplesmente
ampliaram o âmbito de aplicação pessoal. Sendo assim, a análise destes
conteúdos carece de interesse.
O
segundo grupo de conteúdos inclui categorias tradicionais de regulação que
contemplam uma dimensão especial na economia de plataformas. Os exemplos mais
destacados são a remuneração e o tempo de trabalho. Estas questões sempre
estiveram presentes no mercado laboral, mas hoje em dia têm características
importantes, como o papel da app para as determinar.
O
primeiro acordo de empresa, assinado pelo sindicato dinamarquês 3F e a Hilfr Aps, é o exemplo perfeito desta
situação, pois engloba todas as questões tradicionais. Em relação aos salários,
por exemplo, contém a seguinte norma: «Através da plataforma o trabalhador pode
determinar o seu salário individual. Até então, nunca poderá ser inferior ao
salário estipulado neste acordo coletivo». Um conteúdo parecido, e
inclusivamente mais pormenorizado, pode encontrar-se no acordo nacional
italiano. Não são cláusulas inovadoras, mas são a expressão visível do possível
espaço que podem ocupar os acordos coletivos no âmbito da economia de
plataformas. Contudo, nos mesmos acordos, existem normas relativas aos novos
aspetos tecnológicos da extinção do contrato de trabalho: «A suspensão ou outra
despersonalização do perfil do trabalhador na plataforma considerar-se-á
despedimento», segundo o acordo dinamarquês. No acordo nacional italiano também
podemos encontrar conteúdos parecidos. Depreende-se claramente que este acordo
está a adaptar as estruturas existentes estabelecidas. Na realidade, a maioria das
plataformas proporciona um amplo direito a suspender o trabalhador ou a
finalizar a sua cooperação, normalmente sem a obrigação de proporcionar uma
justificação ou somente sob critérios relativamente vagos (por exemplo,
referindo a sua pontuação sem indicar qual é o nível aceitável) e sem um
período de aviso prévio. A negociação coletiva pode ser uma ferramenta útil na
proteção dos trabalhadores, pois pode modular estes amplos poderes.
Um
campo muito importante para a adaptação é o tempo de trabalho. Embora a
legislação laboral não deva impedir que os trabalhadores assalariados e os
empresários aproveitem as vantagens das tecnologias modernas, as garantias
mínimas de tempo de trabalho são necessárias para todos os trabalhadores. Isto
não significa que todas as instituições e os limites legais tradicionais se
possam aplicar sem realizar nenhum ajuste. No entanto, a adaptação não se deve
entender como uma exclusão voluntária. As razões meramente técnicas não podem
justificar a não aplicação das garantias do tempo de trabalho. A negociação
coletiva pode ser uma solução para conciliar as necessidades dos novos tipos de
trabalho e a legislação sobre o tempo de trabalho. A negociação a nível
coletivo pode introduzir medidas de proteção adequadas face a uma ênfase
excessiva na flexibilidade orientada para o empresário, o que pressupõe um
processo de fixação de normas mais transparente e formal que o das negociações
individuais.
Diferentemente
da legislação, as partes da negociação coletiva conhecem muito melhor as
prioridades do lugar de trabalho ou do setor afetado e avançam com o processo
reagindo rapidamente às mudanças do mercado. A legislação da UE dá uma vasta
margem à negociação coletiva no momento de estabelecer as normas sobre o tempo
de trabalho. O artigo 18.º da diretiva sobre o tempo de trabalho permite
estabelecer exceções aos artigos sobre o descanso diário, as pausas, o período
de descanso semanal, a duração do trabalho noturno e os períodos de referência
através de acordos coletivos. As provas empíricas demonstram que as normas
sobre o tempo de trabalho estabelecidas pelos acordos coletivos em lugares de
trabalho digitais não são só uma questão teórica. Contudo, ainda está por ver
como as partes podem utilizar a cláusula de exceção da diretiva sobre o tempo
de trabalho para estabelecer medidas específicas concebidas exatamente para os
trabalhadores de plataformas, inclusivamente no quadro da relação laboral.
O
terceiro grupo de conteúdos é o mais «exploratório». É o âmbito em que a
negociação coletiva pode ser uma ferramenta de inovação, ao abordar questões
que até agora não foram uma preocupação tradicional. O recente decreto francês Décret
nº 2021-952[9],
por exemplo, estabeleceu uma legislação sobre os dados dos trabalhadores de
plataformas e o acesso individual aos mesmos. As pontuações que recebem os
trabalhadores e o seu controlo, também poderiam regular-se com acordos
coletivos. A negociação e o supervisionamento do algoritmo utilizado pela
plataforma ou pelo regime de pontuações que recebem os trabalhadores são o mais
destacável destas possibilidades.
A
legislação espanhola abriu previamente uma possível via de desenvolvimento
coletivo, pois a Lei rider recolheu o direito dos representantes dos
trabalhadores a «serem informados pela empresa dos parâmetros, regras e
instruções em que se baseiam os algoritmos ou sistemas de inteligência
artificial que afetam a tomada de decisões que podem incidir nas condições de
trabalho, no acesso e na manutenção do emprego, incluindo a elaboração de
perfis». Obviamente, trata-se de um primeiro e limitado passo, dado que se
refere aos direitos de informação e não à negociação coletiva. Mas já se abriu
a porta a novas regulações.
Em
qualquer caso, deve garantir-se o direito a exigir transparência nas decisões e
resultados dos sistemas de IA, assim como dos algoritmos subjacentes,
estabelecendo o direito a recorrer das decisões tomadas pelos algoritmos e a
que sejam verificadas por um ser humano. Através de acordos coletivos firmados pelos
interlocutores sociais, as partes poderiam abordar tanto a introdução de dados
nos sistemas automatizados de contratação e promoção de empregados, por
exemplo, como o controlo dos trabalhadores sobre a utilização posterior dos
dados criados por estes sistemas.
Os
interlocutores sociais de todos os setores poderiam agir como ponta de lança
nesta questão. No Livro Verde sobre o Futuro do Trabalho em Portugal[10],
por exemplo, uma das linhas de reflexão é a de «promover, especialmente, a
regulação do uso de algoritmos no contexto da negociação coletiva, implicando
os interlocutores sociais para garantir o tratamento da questão a nível dos acordos
coletivos, com o fim de garantir um uso adequado da IA e poder refletir as
necessidades específicas de cada setor».
De
igual modo, os acordos coletivos poderiam reforçar os princípios que minimizem
os novos riscos associados ao comportamento independente da IA, estabelecendo
requisitos que garantam a proteção da intimidade e dos dados pessoais, da
igualdade e da não discriminação, da ética, da transparência e a possibilidade
de explicar os sistemas baseados em algoritmos, tanto no que se refere à seleção
de candidatos para um posto de trabalho, como à execução do contrato laboral e
à inspeção da atividade profissional do trabalhador. Além disso, os acordos
coletivos poderiam regular as consultas dos trabalhadores aos sindicatos sobre
a implantação, desenvolvimento e implementação dos sistemas de IA.
V.
UMA CONCLUSÃO FINAL
A
nossa investigação demonstrou que, realmente, a negociação coletiva existe para
os trabalhadores da economia de plataformas nos Estados membros, embora haja
diferenças em relação ao âmbito de aplicação pessoal dos acordos, aos agentes
implicados, aos conteúdos regulados e aos efeitos que têm os acordos de
negociação.
Dado
que a economia de plataformas e, especialmente, o crowdworking é uma
questão transnacional, o mais apropriado neste caso é uma resposta da União
Europeia. Naturalmente, a intervenção da União deve estar em conformidade com a
legislação nacional e as práticas de relações laborais. Mesmo assim, os
Tratados oferecem possibilidades de regulação em matéria de direito laboral
coletivo.
A
nível nacional, os agentes tradicionais conseguiram assinar acordos coletivos
no âmbito da economia de plataformas. Embora os interlocutores sociais europeus
pareçam ser reticentes quanto ao seu papel na regulação da negociação coletiva,
parece que os sindicatos assumiram o desafio de regular essa negociação
coletiva na economia de plataformas. Os novos agentes ainda não cumpriram as
suas promessas. A nossa investigação demonstrou, além do mais, que os acordos
realizaram-se a nível de empresa por empregadores individuais, bem como por
associações de empregadores tradicionais, a nível sectorial, principalmente. No
entanto, para criar uma base comum de direitos, os acordos a nível de setor
parecem ser os mais apropriados.
Relativamente
ao conteúdo dos acordos coletivos na economia de plataformas, a negociação
coletiva deveria ser utilizada como uma ferramenta para estabelecer regulações
pormenorizadas. Há temas específicos, como a regulação dos algoritmos que se
aplicam, que são mais próprios deste setor. Sendo assim, uma solução à medida
acordada entre os interlocutores sociais parece mais adequada do que as normas
gerais estabelecidas pelo direito estatutário.
[1] Este artigo foi elaborado como síntese do projeto de investigação COGENS
(VS/2019/0084), financiado pela União Europeia. Expressa somente a opinião dos
autores e a Comissão Europeia não é responsável da utilização que se puder
fazer da informação dada no mesmo. Os autores deste trabalho são José María
Miranda Boto e Elisabeth Brameshuber, com contributos de Gábor Kártyás, Barbara
Kresal, Teresa Coelho Moreira, Daniel Pérez del Prado e Kübra Doğan Yenisey e materiais
proporcionados pelos restantes membros da equipa do projeto.
[3]
Queixa N.º123/2016, Decisão adotada sobre o fundo do caso de 12 de setembro de
2018.
[6] https://olympus.uniurb.it/index.php?option=com_content&view=article&id=23625:rider1592020&catid=242&Itemid=139
[7] https://www2.3f.dk/~/media/files/mainsite/forside/fagforening/privat%20service/overenskomster/hilfr%20collective%20agreement%202018.pdf
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